segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sobre o tal fragmento acerca da "esposa" de Jesus


Recentemente uma notícia pareceu abalar a comunidade científica internacional. Karen King, professora de Teologia da prestigiada Universidade de Harvard, anunciou ter encontrado um fragmento do quarto século de cerca de vinte e quatro centímetros quadrados escrito em copta, uma antiga língua das regiões do Egito, onde estaria presente uma frase que parece apontar para o fato de Jesus ter tido uma esposa. No fragmento pode ser lida a seguinte frase: “Jesus disse a eles, minha esposa”.

E lá vamos nós de novo com toda essa história de que Jesus pode ter sido casado. Há alguns anos, o escritor Dan Brown em seu lamentável “Código da Vinci” já havia levantado a hipótese de que Jesus poderia ter tido um relacionamento com Maria Madalena e na ocasião fora vigorosamente refutado por várias personalidades acadêmicas cristãs ou não. Mesmo parecendo desnecessário, isso precisou ser feito porque muitas pessoas não entenderam que se tratava apenas de uma obra (bem ruim) de ficção e acabaram levando a sério toda aquela papagaiada.

Há anos a corrente feminista, que tira as suas más ideias do marxismo, tenta de alguma forma se infiltrar na Igreja. Diante da impossibilidade da aprovação do sacerdócio feminino, tentam desesperadamente arrumar algum meio de provar que houve na história uma “senhora esposa de Jesus”, para tentar abalar o cristianismo em sua raiz e subverter toda a ordem estabelecida.

Ao ler a palavra “esposa” no documento, a professora King já foi logo metendo os pés pelas mãos e tirando a conclusão de que pode se tratar de uma companheira de Jesus. A professora sustenta sua ideia com a afirmação de que nenhum documento da antiguidade diz que Jesus não foi casado. Vemos aqui o uso do famoso argumento ad ignoratiam, ou seja, se ninguém diz o contrário é porque é verdade. Assim, se ninguém nunca disse que não existem mamutes escondidos atrás dos postes da Avenida Paulista, é porque eles devem existir.

Ora se ninguém nunca disse na Antiguidade que Jesus não foi casado, é porque ele realmente não foi casado. Desde os seus princípios a Igreja, sem desprezar o casamento, sempre viu o heroísmo daqueles que se tornaram eunucos (isto é, celibatários) pelo Reino dos Céus e São Paulo diz que é melhor se dedicar exclusivamente às coisas do Alto. É claro que os Apóstolos teriam aprendido estas coisas não apenas da boca de Jesus, mas também de seus atos.

Ademais, deve-se ressaltar que diversos estudiosos já colocaram em dúvida à autenticidade do documento apresentado pela professora King, É provável que se trate de pura e simples farsa, como foi o caso do malfadado Evangelho Secreto de Marcos.

Aquilo que mais espanta é vermos como que uma professora de Teologia lê em um texto referente a Jesus a palavra “esposa” e pensa imediatamente em matrimônio carnal. Acontece que a palavra “esposa” também é empregada no Novo Testamento ao lado do nome de Jesus, e desde sempre esta palavra foi interpretada como sendo a Igreja, a noiva de Cristo. Caso o fragmento seja autêntico, é neste sentido que a palavra esposa deve ser interpretada. E o fato de o achado ser um fragmento também nos coloca em guarda, uma vez que não se pode interpretar praticamente nada de algo que carece de um contexto mais amplo.

Infelizmente há estudiosos que se sujeitam a pegar qualquer pedaço de pau (ou de supostos fragmentos) para atacar o cristianismo.

Padre Bux: “Se queremos salvar almas, voltemo-nos para o Catecismo”


O Papa durante sua viagem apostólica até a França (12 – 15 de novembro de 2008) fez notar que, para muitos, Deus se converteu no “grande Desconhecido”. Uma afirmação ditada pela preocupação – que Bento XVI repete insistentemente – pelo futuro da fé, que parece apagar-se em amplas regiões da Terra. Há pouco mais de um mês, por ocasião da Quinta-Feira Santa, salientou como estamos diante de um renovado analfabetismo religioso. Mas infelizmente este “acreditar do meu jeito” parece às vezes também incentivado por mestres do pensamento que, de dentro da Igreja, semeiam mais a sua própria palavra que a Palavra Divina A própria Itália está se tornando um país “genericamente” cristão.  É necessário, portanto, uma nova evangelização, graças também ao impulso do Pontifício Conselho constituído ad hoc pelo Papa.

Por onde começar? Talvez precisamente pela liturgia, pelo canto sagrado e por novos edifícios de culto, confiados a pessoas que unam fé e talento para propor formas que falem de Deus.

A fé e sua doutrina: aqui está o cerne da questão. Uma fé simples como a dos pastores, das mulheres e dos homens encontrados por Jesus. E não aquela de quem, por exemplo, afirma que a ressurreição de Jesus é apenas fruto da elaboração da experiência dos discípulos.

Por isso o Papa convocou um Ano da fé para que se volte a tomar nas mãos os ensinamentos do Vaticano II e, mais popularmente, do Catecismo. Os livros de pastoral e de sociologia religiosa, por si mesmos, nunca converteram ninguém.  O que se requer, por outro lado, é o conhecimento de Jesus como pessoa histórica, humana e divina, que funda nossa fé. Diante de nossos olhos estão os fatos, diz Santo Agostinho, nas mãos, os escritos: e os primeiros são muito mais importantes que os últimos. Assim, contra a tendência atual, o cristianismo renasce e demonstra que contra a Igreja, divino-humana pela vontade do Fundador, as forças infernais non praevalebunt.

Referíamo-nos, portanto, ao analfabetismo religioso assinalado pelo Papa e pelos bispos e à exigência de combatê-lo com a doutrina cristã, com a “doutrina da fé”. O dicastério vaticano que recebeu este título de Paulo VI é um instrumento imprescindível para a nova evangelização. Bento XVI pediu a todos – bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos comprometidos – que trabalhem em uníssono, para além dos programas ou planos pastorais, com o Catecismo da Igreja Católica.

Não se vai a uma missão de modo disperso, mas todos juntos com o Papa; se se quer combater a secularização que incentivou o analfabetismo religioso, é necessário que nos adequemos a Jesus, que disse: “Minha doutrina não é minha, mas sim d’Aquele que me enviou” (João 7, 16). Por isso deve-se difundir o Catecismo, diz Bento XVI: “Não anunciamos teoria e opiniões privadas, mas sim a fé da Igreja da qual somos servidores”. Mas, sobretudo a alma cristã deve buscar o coração de Jesus para alcançar o coração das pessoas, como fizeram os santos que, exatamente por isso, são tão amados.

Mesmo assim há quem sustente que o cristianismo não serve para salvar a alma. Por isso o Papa, na homília da Missa do Crisma, usou uma expressão fora de moda: o zelo pela salvação das almas. “Não apenas nos preocupamos com o corpo, mas também das necessidades da alma do homem”. Jesus disse: “De que adiante ao homem ganhar o mundo inteiro se perde sua alma?”. Deste modo, deve-se compreender o valor e a importância dos sacramentos, que desde o nascimento até a morte, servem para salvar almas. Os sacerdotes terão ainda zelo suficiente para socorrer um moribundo com o fim de confessá-lo, dar-lhe a Unção e a Comunhão para a salvação de sua alma? A alma do homem é um lembrete de que não se pertence a si mesmo, mas a Deus. Assim, os sacerdotes não pertencem a si mesmos, mas a Jesus Cristo. Necessita-se da doutrina da fé, feita de conhecimento, competência, experiência e paciência. Necessita-se de um renovado impulso apostólico. O dom da fé não está separado do batismo.

De fato, o Papa lembrou ao clero romano que se o ato de crer é “inicial e principalmente um encontro pessoal” com Cristo, como nos descrevem os Evangelhos, “essa fé não é apenas um ato pessoal de confiança, mas também um ato que tem um conteúdo” e “o batismo expressa este conteúdo”. São Cirilo de Jerusalém recorda que nossa salvação batismal depende do fato de que tenha brotado da crucifixão, sepultura e ressurreição de Cristo, realmente ocorridas na esfera física: chama-se a isso de Graça, porque a recebemos no sacramento sem sofrer as dores físicas. Por isso adverte Cirilo: “Que ninguém pense que o batismo consiste apenas na remissão dos pecados e na graça da adoção, como era o batismo de João que conferia apenas a remissão dos pecados. Nós, por outro lado, sabemos que o batismo, assim como pode liberar dos pecados e obter os dons do Espírito Santo, é também figura e expressão da Paixão de Cristo”, como proclama Paulo (Romanos 6, 3-4). “Nós sabemos”, diz o santo bispo de Jerusalém: ao encontro pessoal como o Senhor e ao prosseguir para a salvação, segue necessariamente a doutrina que se transmite através da Escritura e da Tradição da Igreja.

Tudo isso está condensado no Catecismo. É necessário renovar a catequese e a liturgia para que Deus seja conhecido e amado. Isso quer dizer uma verdadeira devoção, necessária na liturgia atual, na celebração dos sacramentos. A devoção ou pietas está constituída pela oferta de si mesmo a Deus. Isso se expressa com o conjunto dos gestos e ritos percebidos como significativos para a vida: participar da Missa, pedir para que seja celebrada pelas próprias intenções, confessar-se e comungar, assistir a outras cerimônias, rezar e cantar hinos, freqüentar a catequese, praticar as obras de misericórdia, visitar um lugar onde se venera uma imagem sagrada ou o sepulcro de um santo taumaturgo, deixar uma oferta, acender uma vela, participar na procissão, levar a imagem sagrada sobre os ombros. Em suma, são estes sinais de invocação, de proteção, de agradecimento, os que fazem a verdadeira devoção que manifesta a fé que nos justifica diante de Deus e nos salva. O Ano da Fé será um tempo propício.

O estudo do conteúdo da Fé – como sublinham especialmente os movimentos eclesiais – é necessário dentro da experiência da fé, para que se torne adulto na fé, superando aquela infância que leva muitos a abandonar a Igreja depois da Confirmação, tornando-se assim incapaz de expor e tornar presente a filosofia da fé, de dar razão dela aos demais. Ser adulto na fé, contudo, não quer dizer depender das opiniões do mundo, emancipando-se do Magistério da Igreja.

Por que ainda ocupar-se disso? Porque não é apenas um pensamento teológico, mas tornou-se uma prática que penetrou lentamente em não poucos setores da vida eclesial. Um dos mais clamorosos é a doutrina sacramental: hoje, o sacramento  já não é percebido como proveniente do exterior, do alto, mas como a participação em algo que o cristão já possui. E já que hoje se gosta tanto de olhar para o Oriente, deve-se dizer – ao menos por honestidade ecumênica – que, para a teologia oriental, o rumo antropológico tomado pela teologia ocidental é um caminho equivocado; o único tema fundamental de toda a teologia de todos os tempos é, e deve continuar sendo, a Encarnação do Verbo, o princípio humano-divino que entrou no mundo “para nós, homens, e por nossa salvação”. O homem separado de Deus não tem possibilidade de sobreviver. Caso contrário, à força de se falar do homem, como aconteceu, já não se fala mais de Deus.