segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Da obra "Philosophiae Cursus" de Marino de Boylesve - §3

§3. A definição de lógica

LÓGICA (λογος) é o método pelo qual se conhece. Por uns é considerada uma arte, mas por outros, uma ciência. E disso pode ser definida quer como a arte de raciocinar, quer como a ciência da certeza: arte, na medida em que traz as regras para discernir o verdadeiro do falso; ciência, na medida em que expõe os princípios da certeza subjetiva.
Conhecer nada mais é do que representar mentalmente a si mesmo alguma coisa ou algum objeto. E que é representar, senão tornar o objeto como que novamente presente, quer de modo sensível, pelo qual se tem a imagem; quer de modo meramente inteligível, pelo qual se tem a ideia na mente?
A mente (do latim metiri, mensum, medir, pois como que medimos as coisas através da cognição) procede no conhecimento em três graus: 1º pela ideia, pela qual apresenta a coisa a si; 2º pelo juízo, pelo qual compara duas ideias entre si; 3º pelo raciocínio, pelo qual conclui dois juízos entre si; e finalmente 4º pelo método, pelo qual alcança o conhecimento certo da verdade. 

domingo, 13 de dezembro de 2015

Da obra "Philosophiae Cursus" de Marino de Boylesve - §2

§2. Divisão da Filosofia

Ao filósofo compete dar conta de três coisas:

Iº. Deve investigar se e como a razão humana pode conhecer a verdade; e isso se faz na lógica

IIº. A própria verdade deve ser não só investigada, como também demonstrada. Assim:

1º) Devem-se desenvolver os elementos universais e os primeiros princípios de toda verdade que se queira demonstrar; mas porque a primeira coisa que se manifesta ao intelecto é o ente, dele tratamos na ontologia, que também pode ser chamada de metafísica universal. A metafísica, porém, consideradas as coisas sob o aspecto pelo qual se apresentam - aspecto este que se encontra certamente acima dos sentidos, mas não acima da razão - se distingue simultaneamente da física e da teologia sobrenatural, uma vez que esta trata das verdades recebidas por revelação divina, ao passo que aquela, das coisas percebidas pela experiência dos sentidos. Portanto, o objeto da teologia é a verdade sobrenatural; o da física, a natureza meramente sensível; e o da metafísica, o ente meramente inteligível, sim, mas passível de ser conhecido pela razão natural.

2º) Mas as coisas que a razão humana pode conhecer por si mesma - pressupondo-se a experiência dos sentidos e confirmando-as a tradição humana - são: 1º o mundo sensível, inteligível pela razão; 2º a própria alma humana; 3º Deus. Assim, há três partes especiais nas quais se divide a metafísica: 1º cosmologia, que trata do mundo sensível; 2º psicologia, que trata da alma humana; 3º teologia, que discursa acerca de Deus. 

IIIº. Destarte, demonstradas essas coisas, resta investigar e determinar a razão pela qual todas as coisas se ordenam com o primeiro princípio e o fim último de todas elas, ou seja, Deus. Assim, porque nele se encontra a sabedoria para que as coisas sejam consideradas em sua causa mais elevada, é escopo da filosofia que se determine a relação pela qual o homem e o mundo - através dos costumes e de certos direitos naturais e essenciais - se religam a Deus. Isso nos é apresentado por aquela parte da filosofia que é chamada de ética ou moral, sem a qual todo o restante da filosofia deveria ser considerado como especulação ociosa e praticamente estéril. 

Assim, eis a divisão de toda a filosofia: Iº LÓGICA; IIº METAFÍSICA: 1º universal ou Ontologia. 2º especial ou (a) Cosmologia (à qual outrora pertencia a física), (b) Psicologia, (c) Teologia natural; IIIº ÉTICA ou MORAL. 

sábado, 12 de dezembro de 2015

Da obra "Philosophiae Cursus" de Marino de Boylesve - §1


§1. Definição de Filosofia

FILOSOFIA (φιλεω, amo, acostumo-me, e σοφια, sabedoria, conhecimento) é o amor pela sabedoria. A sabedoria é a ciência das coisas pelas causas mais elevadas. Mas a mais elevada das causas é  o primeiro princípio de todas as coisas e o fim último de todas as coisas. Portanto, somente é verdadeiramente sábio (ou filósofo) aquele que, com o espírito elevado em direção ao alto, considerando todas as coisas em unidade, contempla, pela especulação contínua, a razão pela qual tudo é ordenado do primeiro princípio ao fim último; e pela ação, na medida do possível, a segue. 
A ciência, porém, é o conhecimento certo da verdade. A mente pode conhecer a verdade por dois caminhos, a saber, por si mesma ou por outrem. Mas a ciência que é ensinada por outrem o é ou por Deus ou pelo homem. Logo, são três os tipos de ciência: a história, a filosofia e a teologia, que se distinguem entre si pelo fato de ser a história o conhecimento da verdade pelo testemunho dos homens; a teologia o conhecimento da verdade pela revelação de Deus; a filosofia o conhecimento da verdade pela razão. Estritamente, portanto, pode-se definir filosofia como ciência das coisas que o homem pode conhecer por si mesmo somente com a razão
Pois as coisas ou verdades que o homem por si mesmo somente com a razão não consegue alcançar só podem ser conhecidas através da fé, seja humana seja divina, de modo que recaem na história ou na teologia sobrenatural. Ai daquele homem que, confiando somente em sua razão, desprezando a fé humana e sobretudo a divina, tivesse a presunção de solucionar aquelas poucas coisas que por si só é capaz de conhecer com o auxílio da razão! Com efeito, a experiência é testemunha de que todos os que assim procederam em pouco tempo se desviaram do caminho reto e certo da verdade e da própria razão; esses mesmos que, negligenciada a tradição dos antecessores e desprezada a revelação divina, como se fossem os primeiros a conhecerem das coisas, ousaram marchar sozinhos contra todos.