Talvez o seguinte diálogo lhe seja familiar:
A - Você já ouviu falar de Jesus?
B - Ahnn...já...
A - Posso perguntar de qual igreja você é?
B - Bem, eu sou católico...
A - Ah! Você sabia que o que Jesus quer é que sirvamos a ele e que obedeçamos a tudo o que Ele manda na Bíblia? Jesus nunca fundou nenhuma igreja! E nem me venha com a citação daquela passagem do Evangelho de Mateus (cf. Mt 16, 17-18), sabemos que os cristãos primitivos não possuíam igreja nenhuma.
(Curioso é que, pouco depois, a pessoa "A" do diálogo vá convidar "B" para assistir a um "culto" na sua "igreja"...)
E o tal católico em questão pode apresentar uma das duas reações bem típicas: ele escandaliza-se com a petulância de seu pretenso evangelizador (o qual no decorrer do diálogo começa a adjetivar a Igreja com termos pouco fraternos), mas nada responde e finge que o que está acontecendo não é com ele; ou, então, começa a ficar cada vez mais interessado naquilo que estão lhe dizendo e a cada segundo faz uma cara de "Puxa! Como eu nunca tinha pensado nisso?!".
É provável que você, caro leitor, já tenha estado em uma das duas posições de nosso diálogo hipotético.
Não pretendo neste texto fazer uma exegese do trecho de Mateus citado acima. Devo admitir que eu não consigo entender porque tornam este trecho do Evangelho, o qual é por si só claríssimo, tão polêmico e tão controverso.
Os adversários do catolicismo lançam diversos argumentos para tentar incutir a ideia de que Nosso Senhor jamais fundara qualquer Igreja ou instituição, e muito menos a Igreja Católica. Os mais clássicos são os seguintes: a Igreja Católica foi fundada por Constantino em meados do século IV (não se sabe quando exatamente, se antes ou depois do Concílio Ecumênico de Niceia); os cristãos primitivos jamais pertenceram a nenhuma instituição específica; nunca fora instituída por Cristo uma autoridade visível que devesse regular a doutrina cristã; entre outras coisas.
Para estas pessoas, o cristianismo funciona mais ou menos sob o seguinte esquema: Deus toma a forma humana e vem ao encontro do homem ensinar-lhe a salvação, o que é algo bastante sério, convenhamos. Mas este Deus não se preocupa em deixar desde o começo tudo muito bem claro acerca das coisas que devem ser feitas. Não! Ele simplesmente vai embora e deixa tudo aí, espalhado. Ele quer que cada um tenha a sua própria interpretação daquilo que Ele ensinou. E, assim, mesmo com ensinamentos completamente divergentes, todos aqueles que têm fé e ficam apenas com a Bíblia (a qual só foi aparecer séculos após Cristo) já estão salvos. Fácil, não?
Não, não é tão fácil assim. Acontece que, para os que atacam a Igreja, tudo aquilo que Jesus ensinou há dois mil anos foi interpretado de maneira equivocada. Deus parece ter ficado esperando alguém interpretar corretamente a doutrina da salvação, mas enquanto isso não acontecia, infelizmente, ia todo mundo para o inferno. Até que um belo dia, centenas ou milhares de anos após a vinda de Jesus, surge um "profeta" que vai ensinar aos cristãos a verdadeira fé. Pobres cristãos! Ficaram tantos anos na ignorância e só agora Deus envia um "profeta"...confesso que, ao menos para mim, seria difícil amar a um Deus assim, que permite que caminhemos no erro por tantos e tantos anos. Coitados de meus antepassados que não puderam conhecer a "verdade"!
E o mais curioso é ver todas estas "verdades" proclamadas por aí dividindo-se cada vez mais, tornando-se cada vez mais "verdadeiras"...
É evidente que a verdade é una, e o erro é múltiplo. Há várias soluções erradas para 2 + 2, mas apenas uma verdadeira, apenas uma correta.
Em primeiro lugar é certo que Deus não iria deixar a sua mensagem vazia por séculos e séculos. É claro também que este mesmo Deus que se fez homem, e homem perfeito, não deixaria a Sua Igreja imersa no caos, sem qualquer diretriz. Ora, quem ama cuida. Será que Deus, amando-nos como nos ama, permitiria que ficássemos sem qualquer tipo de cuidado? Não, não permitiria.
A Verdade tão preciosa ensinada por este Deus não poderia ficar perdida por séculos. Ela deveria ter uma aplicação imediata e eterna. E o próprio Cristo, ao confiar aos homens a guarda de seus ensinamentos, teria que estar junto à instituição reponsável pela guarda da Verdade e guiá-la pelos séculos sob a inspiração do Espírito Santo. Mas, não é isso que lemos no trecho de Mateus? Então, a instituição que verdadeiramente conserva integralmente os ensinamentos de Nosso Senhor tem, necessariamente, que ter os mesmos dois mil anos que nos separam de Cristo. Deus não permitiria que vivêssemos nem sequer um dia nas trevas da mentira, muito menos anos e anos.
Desde que a Igreja começou a propagar-se, começaram a pulular aqui e acolá seitas que tinham a pretensão de ser "a única igreja de Cristo". Esta triste realidade não é privilégio de nosso tempo, uma vez que já nos primeiros séculos podemos observar este fenômeno. Uns negavam isto, outros aquilo, outros ainda achavam que tal ensinamento deveria ser acrescentado à doutrina para deixá-la, digamos, mais atualizada. E como os cristãos que haviam sido instruídos pelos apóstolos se comportavam? Vejamos:
Sto. Inácio de Antioquia, bispo de Antioquia e que havia convivido com os apóstolos, nos alerta já no século I:
"Onde comparecer o Bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que, onde estiver Cristo Jesus, aí está a Igreja Católica" (Epístola aos Esmirsenses c.8, 2, sublinhado meu).
"Ah!", clamarão nossos adversários, "Imagine! Todos sabemos que a palavra "católico" significa universal, e não uma instituição específica!". Curioso é que Sto. Inácio, de qualquer modo, atesta existir uma fé que é universal e é a mesma em todos os lugares, com os mesmos ensinamentos. Acaso é assim em qualquer denominação protestante? Qual seria, então, a única instituição com dois mil anos de existência onde os seus ensinamentos doutrinários são os mesmos para qualquer parte da Terra? Qual a única instituição que jamais alterou o que fora ensinado por Cristo e pelos apóstolos, embora seja taxada de "antiquada", na melhor das hipóteses?
Aliás, Sto. Inácio era bispo de Antioquia e ele viveu duzentos anos antes de Constantino. Mas, se Sto. Inácio era bispo, quem o havia erigido como tal, sendo que não havia, nos primórdios do cristianismo, qualquer autoridade visível? Será que Sto. Inácio um belo dia acordou e disse: "Ah! Hoje estou com vontade de tornar-me bispo"! E ainda, mesmo que ele tivesse se auto-proclamado bispo, só poderia ter sido bispo de alguma igreja, correto? Entretanto, Sto. Inácio não se auto-proclamou bispo, visto que sua autoridade era respeitada por cristãos "de toda a Igreja Católica espalhada por toda a Terra", conforme a igreja localizada em Esmirna escreve (Epístola aos Esmirsenses c.8). É patente, pois, que havia uma hierarquia na igreja primitiva, hierarquia que deveria ser respeitada e que era encarregada de consagrar os bispos da única Igreja de Cristo.
E o que dizer de S. Clemente de Alexandria, que viveu no segundo século? Já no segundo século havia um grande número de heresias. Um dia, os fiéis procuram Clemente e lhe indagam:
"Como se pode crer, se há tanta divergência de heresias, e assim a própria verdade nos distrai e fatiga, pois outros estabelecem outros dogmas?" (Até parece que estavam escrevendo para o nosso tempo!)
S. Clemente dá uma resposta espantosamente atual:
"Não só pela essência, mas também pela opinião, pelo princípio, pela excelência, só há uma igreja antiga e é a Igreja Católica. Das heresias, umas se chamam pelo nome de um homem, como as que são chamadas por Valentino, Marcião e Basílides; outras pelo lugar de onde vieram, como os Peráticos; outras, do povo, como a heresia dos Frígios; outras, de alguma operação, como os Encratistas; outras, de seus próprios ensinos, como os Docetas e os Hematistas". (Stromata 1.7.c.15, grifo meu).
E isso antes de Constantino e Niceia!
Até parece que S. Clemente estava se referindo aos protestantes! Imaginem só: "Das heresias, umas se chamam pelo nome de um homem, como as que são chamadas por Lutero, Calvino e Zuínglio; outras pelo lugar de onde vieram, como a Igreja Livre Evangélica Sueca; outras, do povo, como os Anglicanos; outras, de alguma operação, como os Batistas e os Pentecostais; outras, de seus próprios ensinos, como os Metodistas".
Sem sairmos do segundo século, podemos encontrar Irineu, bispo de Lião, que foi discípulo de São Policarpo, o qual, por sua vez, fora ensinado pelo próprio apóstolo João. Para todos aqueles que acham que "Igreja Católica" entre os primeiros cristãos não designa outra coisa que as várias igrejas existentes, como se todas fossem independentes umas das outras, Sto. Irineu responde assim:
"Como, no entanto, seria muito tedioso, em um volume como este, contar as sucessões [episcopais] de todas as Igrejas, nós confundimos todos aqueles que, de qualquer maneira, seja por uma auto-satisfação diabólica, pela vanglória, ou ainda por cegueira e opinião perversa, encontram-se em reuniões não autorizadas; [fazemos isso, digo], mostrando aquela tradição derivada dos apóstolos, dos grandessíssimos, da igreja muito antiga e universalmente conhecida fundada e organizada em Roma pelos dois gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo, como também [mostrando] a fé pregada aos homens, que vem até o nosso tempo por meio das sucessões dos bispos. Pois é uma questão de necessidade que cada Igreja deve concordar com esta Igreja, em virtude da sua autoridade preeminente, isto é, os fiéis por toda parte, na medida em que a tradição foi preservada de forma contínua por aqueles [homens fiéis] que existem em toda parte"(Contra as heresias III 3,2, grifo e sublinahdo meus).
E após dizer isso, Sto. Irineu começa a enumerar todos os bispos de Roma até a época dele. E tudo isso antes de Niceia, antes de Constantino...
Na narração do martírio de São Piônio, meados do século III, temos o seguinte diálogo entre este e Polemon, que o interroga:
"- Como se chama?
- Cristão.
- De que igreja?
- Católica." (Ruinart Acta martyrum pág. 122 n° 9).
Podemos perceber, assim, que é na Igreja Católica, fundada por Cristo e preservada pelos apóstolos e defendida pelos verdadeiros cristãos desde o cristianismo primitivo, que os cristãos sempre se reúnem. Espero que o católico do diálogo que abre este texto tenha agora uma reação distinta daquelas que descrevi e que não omita a verdade; no entanto, que não abra mão da caridade.
Para encerrar, deixo ainda mais três referências dos primeiros cristãos:
S. Paciano, século IV, escreve assim a Simprônio:
"Como, depois dos Apóstolos, apareceram as heresias e com nomes diversos procuraram cindir e dilacerar em partes aquela que é a rainha, a pomba de Deus, não exigia um sobrenome o povo apostólico, para que se dintinguisse a unidade do povo que não se corrompeu pelo erro?... Portanto, entrando por acaso hoje numa cidade populosa e encontrando marcionistas, apolinarianos, catafrígios, novacianos e outros deste gênero, que se chamam cristãos, com que sobrenome eu reconheceria a congregação de meu povo, se não se chamasse Católica?" (Epístola a Simprônio n° 3, grifo e sublinhado meus). E continua: "Cristão é o meu nome; católico o sobrenome" (ibidem n° 4).
S. Cirilo de Jerusalém, século IV:
"Se algum dia peregrinares pelas cidades, não indagues simplesmente onde está a casa do Senhor, porque também as outras seitas de ímpios e as heresias querem coonestar com o nome de casas do Senhor as suas espeluncas; nem perguntes simplesmente onde está a igreja, mas onde está a Igreja Católica, este é o nome próprio desta santa mãe de todos nós, que é também a esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Instrução catequética c.18; n° 26, grifo e sublinhado meus).
S. Agostinho, século V:
"Deve ser seguida por nós aquela religião cristã, a comunhão daquela Igreja que é Católica, e Católica é chamada não só pelos seus, mas também por todos os inimigos" (Verdadeira Religião c.7; n°12)
Agora, caro leitor, já se pode responder claramente à pergunta contida no título deste texto.
A Igreja primitiva era, pois, Católica! Por isso cantamos há vários séculos:
"Et [credo in] unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam"
Pax Domini Sit Semper Vobiscum
William Bottazzini
William, Salve Maria!
ResponderExcluirQue N. Senhora das Graças continue te abençoando no seu apostolado católico. Vou rezar por vc e pela sua esposa.
Fernando Ribeiro
Willian;
ResponderExcluir+Pax!
Parabéns pelo artigo bem elaborado e fundamentado na teologia e na Patristica. Deus o conserve no amor a Sua Igreja e que este seu apostolado virtual ajude a muitos.
Salve Maria!
ResponderExcluirWilliam, parabéns pelo site!
Estejas sempre em paz, sob a proteção da Santíssima Virgem Maria!
Atte. em CRISTO,
Fabiana Bzra