terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sobre a banalização da sexualidade


Trechos da entrevista do Papa Bento XVI concedida ao jornalista germânico Peter Seewald para o livro "Luz do Mundo" foram sistematicamente reproduzidos pela mídia dos mais diversos países. Tais trechos, retirados de seu contexto, davam a impressão de que a Igreja poderia estar enfrentando uma fase de aggiornamento, de atualização em relação à problemática da sexualidade. Muitos chegaram mesmo a bradar: "o Papa agora libera a camisinha!".

Este acontecimento evidencia mais uma das inesgotáveis contradições do século. O tempo todo tentam nos impor a ideia de um relativismo total, vivemos mesmo sobre a "ditadura do relativismo". Nada é verdadeiro, nada é falso. A religião é vista como um "mal menor". O que vale é ser "politicamente correto". O que se exige é neutralidade. Contudo, quando a mais alta autoridade da cristandade parece (sim, apenas "parece") pronunciar-se de modo favorável ao que ensina o mundo, este perde toda a imparcialidade e, com saltos e cambalhotas, exclama: o Papa concorda conosco! Vejam o que o Papa está ensinando!

Por um terrível paradoxo, chegam até mesmo a dizer: Atenção, todos! Obedeçam ao Papa! Ele é a voz que devemos seguir!

Este é o nosso estranho mundo estranho. Para ele, a obediência não se deve a um ato de amor, conforme ensina Nosso Senhor:
Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama (Jo 14, 21).
Para o mundo, a obediência está intrinsicamente relacionada à conveniência. E a fim de que tal conveniência seja atendida, vale obedecer até mesmo aos velhos adversários, como a Igreja.

Contudo, o mundo, sempre tão precipitado, mais uma vez "deu com os burros na água", como diria vovó.

É evidente que o Papa não alterou a posição da Igreja em relação aos métodos contraceptivos. E por qual motivo não o fez? Pelo simples fato de que ele não pode fazê-lo. As leis acerca da sexualdiade foram estabelecidas pelo próprio Deus. Portanto, cabe à Igreja zelar por elas, e não alterá-las. Enquanto o homem de nossos dias julga-se Deus, julga-se capaz de tudo poder (e o ateísmo é apenas um pretexto para se colocar no lugar de Deus), o cristão sabe que há um Deus, e que o amor a este Deus consiste exatamente em respeitar os Seus preciosíssimos mandamentos, estejam eles inscritos na natureza, estejam eles inscritos na Bíblia. E justamente por respeitar os mandamentos de Nosso Senhor e por amá-Lo é que a Igreja tem passado pelas mais diversas perseguições neste últimos dois mil anos de existência de nosso planeta.

Infelizmente o que se publicou daquilo que "pensaram que o Papa disse" causou confusão e estranheza entre muitos católicos. Para que se solucionasse definitivamente esta questão, a Igreja veio a público nos mostrar o que exatamente disse Sua Santidade, o Papa Bento XVI.

Todos os negritos são meus.

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Nota da Congregação para a Doutrina da Fé
Sobre a banalização da sexualidade
A propósito de algumas leituras de "Luz do mundo"

Por ocasião da publicação do livro-entrevista de Bento XVI, "Luz do Mundo", foram difundidas diversas interpretações não corretas, que geraram confusão sobre a posição da Igreja Católica quanto a algumas questões de moral sexual. Não raro, o pensamento do Papa foi instrumentalizado para fins e interesses alheios ao sentido das suas palavras, que aparece evidente se se lerem inteiramente os capítulos onde se alude à sexualidade humana. O interesse do Santo Padre é claro: reencontrar a grandeza do projecto de Deus sobre a sexualidade, evitando a banalização hoje generalizada da mesma.

Algumas interpretações apresentaram as palavras do Papa como afirmações em contraste com a tradição moral da Igreja; hipótese esta, que alguns saudaram como uma viragem positiva, e outros receberam com preocupação, como se se tratasse de uma ruptura com a doutrina sobre a contracepção e com a atitude eclesial na luta contra o HIV-SIDA. Na realidade, as palavras do Papa, que aludem de modo particular a um comportamento gravemente desordenado como é a prostituição (cf. «Luce del mondo», 1.ª reimpressão, Novembro de 2010, p. 170-171), não constituem uma alteração da doutrina moral nem da praxis pastoral da Igreja.

Como resulta da leitura da página em questão, o Santo Padre não fala da moral conjugal, nem sequer da norma moral sobre a contracepção. Esta norma, tradicional na Igreja, foi retomada em termos bem precisos por Paulo VI no n.º 14 da Encíclica Humanae vitae, quando escreveu que "se exclui qualquer ação que, quer em previsão do acto conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação". A ideia de que se possa deduzir das palavras de Bento XVI que seja lícito, em alguns casos, recorrer ao uso do preservativo para evitar uma gravidez não desejada é totalmente arbitrária e não corresponde às suas palavras nem ao seu pensamento. Pelo contrário, a este respeito, o Papa propõe caminhos que se podem, humana e eticamente, percorrer e em favor dos quais os pastores são chamados a fazer "mais e melhor" ("Luce del mondo", p. 206), ou seja, aqueles que respeitam integralmente o nexo indivisível dos dois significados – união e procriação – inerentes a cada ato conjugal, por meio do eventual recurso aos métodos de regulação natural da fecundidade tendo em vista uma procriação responsável.

Passando à página em questão, nela o Santo Padre refere-se ao caso completamente diverso da prostituição, comportamento que a moral cristã desde sempre considerou gravemente imoral (cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n.º 27; Catecismo da Igreja Católica, n.º 2355). A recomendação de toda a tradição cristã – e não só dela – relativamente à prostituição pode resumir-se nas palavras de São Paulo: "Fugi da imoralidade" (1 Cor 6, 18). Por isso a prostituição há-de ser combatida, e os entes assistenciais da Igreja, da sociedade civil e do Estado devem trabalhar por libertar as pessoas envolvidas.

A este respeito, é preciso assinalar que a situação que se criou por causa da atual difusão do HIV-SIDA em muitas áreas do mundo tornou o problema da prostituição ainda mais dramático. Quem sabe que está infectado pelo HIV e, por conseguinte, pode transmitir a infecção, para além do pecado grave contra o sexto mandamento comete um também contra o quinto, porque conscientemente põe em sério risco a vida de outra pessoa, com repercussões ainda na saúde pública. A propósito, o Santo Padre afirma claramente que os preservativos não constituem "a solução autêntica e moral" do problema do HIV-SIDA e afirma também que "concentrar-se só no preservativo significa banalizar a sexualidade", porque não se quer enfrentar o desregramento humano que está na base da transmissão da pandemia. Além disso é inegável que quem recorre ao preservativo para diminuir o risco na vida de outra pessoa pretende reduzir o mal inerente ao seu agir errado. Neste sentido, o Santo Padre assinala que o recurso ao preservativo, "com a intenção de diminuir o perigo de contágio, pode entretanto representar um primeiro passo na estrada que leva a uma sexualidade vivida diversamente, uma sexualidade mais humana". Trata-se de uma observação totalmente compatível com a outra afirmação do Papa: "Este não é o modo verdadeiro e próprio de enfrentar o mal do HIV".

Alguns interpretaram as palavras de Bento XVI, recorrendo à teoria do chamado "mal menor". Todavia esta teoria é susceptível de interpretações desorientadoras de matriz proporcionalista (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis splendor, nn.os 75-77). Toda a ação que pelo seu objecto seja um mal, ainda que um mal menor, não pode ser licitamente querida. O Santo Padre não disse que a prostituição valendo-se do preservativo pode ser licitamente escolhida como mal menor, como alguém sustentou. A Igreja ensina que a prostituição é imoral e deve ser combatida. Se alguém, apesar disso, pratica a prostituição mas, porque se encontra também infectado pelo HIV, esforça-se por diminuir o perigo de contágio inclusive mediante o recurso ao preservativo, isto pode constituir um primeiro passo no respeito pela vida dos outros, embora a malícia da prostituição permaneça em toda a sua gravidade. Estas ponderações estão na linha de quanto a tradição teológico-moral da Igreja defendeu mesmo no passado.

Em conclusão, na luta contra o HIV-SIDA, os membros e as instituições da Igreja Católica saibam que é preciso acompanhar as pessoas, curando os doentes e formando a todos para que possam viver a abstinência antes do matrimônio e a fidelidade dentro do pacto conjugal. A este respeito, é preciso também denunciar os comportamentos que banalizam a sexualidade, porque – como diz o Papa – são eles precisamente que representam a perigosa razão pela qual muitas pessoas deixaram de ver na sexualidade a expressão do seu amor. "Por isso, também a luta contra a banalização da sexualidade é parte do grande esforço a fazer para que a sexualidade seja avaliada positivamente e possa exercer o seu efeito positivo sobre o ser humano na sua totalidad" ("Luce del mondo", p. 170).
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Foi isso, então, o que disse o Santo Padre.

Não deveremos nos espantar, pois, se o mundo retirar (apressadamente, claro!)  todos os seus apressados aplausos.

Pax Domini Sit Semper Vobiscum

William

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