sábado, 30 de junho de 2012

Como chegamos ao nosso tempo


No texto “Nosso Tempo” da semana passada, eu havia tratado do problema da verdade e das tristes conseqüências que podem advir de certa “ditadura do relativismo”. Pois bem, esta semana, quero tratar um pouco mais sobre a verdade e sobre as origens do pensamento relativista que ora nos domina.

Afinal, o que é a verdade? Fora exatamente esta a pergunta que Pilatos fizera a Jesus durante um dos interrogatórios. As correntes filosóficas que pairavam sobre o Império Romano naquele período também tendiam a negar a verdade e a relativizar tudo. Não se estava mais nos gloriosos tempos da filosofia grega de Platão e Aristóteles, mas sim na decadência do ceticismo. Curioso é que Cristo, verdade encarnada, nada responde ao governador latino.

Será com o filósofo judeu Isaac Israeli e com Santo Tomás de Aquino, durante a Idade Média, que se conseguirá chegar a uma clara definição do que é a verdade. Diziam os dois pensadores que a verdade nada mais é do que a adequação da mente ao objeto. Mas o que isso quer dizer? Isso significa que, na verdade, minha registra os fenômenos exteriores mais ou menos como uma máquina fotográfica o faz. A partir deste momento é a minha mente quem é mudada pelo objeto, digamos, fotografado. Não é a minha mente que gera mudança no real pelo simples fato de eu pensar de modo diferente, mas a minha mente é que é mudada pelo real. Destarte, quando vejo um elefante, por exemplo, a minha mente capta as essências do elefante e é mudada por essa captação e por mais que eu queira acreditar que o que vejo na minha frente é um baú cheinho de ouro, o objeto continuará a ser um elefante. Não será um ato de pensamento meu que transformará a realidade. Eram nos antigos hospícios que se acreditava que o pensamento alterava a realidade, por isso o sujeito acreditava ser Napoleão, Júlio César ou uma Girafa.

Tendo visto então a definição da verdade, podemos avançar um pouco mais e dar as principais características da verdade: ela é imutável, universal, indivisível e objetiva. A verdade não muda e nem varia de lugar para lugar: o teorema de Pitágoras será sempre o mesmo em todo o tempo e lugar. Da mesma forma, não se pode dividir a verdade, ela é uma: ora, meia-verdade é uma mentira inteira! No mais, a verdade é objetiva e isso quer dizer que ela não depende daquilo que o sujeito pense sobre ela.

Logo, para todos os acontecimentos e fatos da vida há a verdade: tanto no âmbito político quanto no moral, filosófico, científico e religioso. E é nosso dever sempre buscar a verdade, independentemente de nossos pré-conceitos.

Mas quando foi que o relativismo, que erroneamente ensina que cada um tem a sua verdade, entrou em voga? O historiador Fustel de Coulanges, em sua obra-prima A Cidade Antiga, ao analisar os acontecimentos e revoluções na Grécia e na Roma antigas, chega à conclusão que toda revolução nasce de uma mudança no pensamento religioso, na atitude para com o sagrado. E foi isso que aconteceu no século XVI. Foram as mudanças no pensamento religioso trazidas à tona pelo reformador Martinho Lutero que fizeram com que tudo fosse colocado de pernas pro ar.

Lutero, pai do protestantismo, ensinava que não existia uma verdade em relação à interpretação da Bíblia e que cada um é livre para interpretá-la como bem entender. Assim, ele negava a autoridade da Igreja e, ao tentar se desfazer de um Papa, transformava cada ser humano em um Papa, com autoridade infalível. Assim, pois, para o ex-frade alemão, não havia uma verdade sobre o cristianismo. Por isso que não demorou muito para que o protestantismo nascido de Lutero se esfarelasse em diversas denominações que ensinam doutrinas completamente opostas umas das outras, o que contraria gravemente a universalidade do cristianismo.

Essa atitude de Lutero para com a Bíblia fez com que alguns filósofos posteriores, como Descartes, Kant e Marx, transpusessem a ideia de livre-exame da Bíblia para o mundo. Diziam eles que não é apenas a Sagrada Escritura que deve ser interpretada livremente por cada um, mas o próprio mundo e o próprio ser. Daí as pessoas ficarem perdidas, sem saber muito bem em que acreditar e nas escolas e universidades aprende-se mais a ter dúvidas que certezas.

Bem, foi assim que chegamos onde estamos. As conseqüências nefandas do relativismo já foram tratadas na coluna da semana passada.

O homem apenas realiza-se na verdade.

domingo, 24 de junho de 2012

Mentiras nas aulas de História


Que a educação vai mal, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares, é evidente. Mas há duas disciplinas que passam por um verdadeiro sistema de demolição em suas bases: a História e o Português. Tratemos da primeira.

Podemos dizer que nos últimos cem anos a História tornou-se quase que um sistema religioso de propagação da doutrina marxista. Tudo passou a ser visto puramente do ponto de vista econômico e da luta de classes. Além disso, começou a vigorar entre os historiadores uma mentalidade que proclama que tudo em História é pura interpretação, ou seja, o que há é a mais ousada negação da verdade, e isso, conforme já vimos, é algo completamente absurdo e contraria a lógica mais elementar. A História também se prestou a fazer uma propaganda ferrenha anticatólica e ouso mesmo dizer, aproveitando as ondas do momento que querem acrescentar o sufixo “-fobia” em tudo, que surgiu uma espécie de “catolicofobia”, que faz com que o mero adjetivo “católico” gere repulsa nos que não o são e crie dúvidas e incertezas nos que o são.

É espantoso ver que em pleno século XXI ainda se ensine com a maior desfaçatez que durante a Idade Média acreditava-se que a Terra fosse plana. Essa mentira deslavada surgiu no século XIX na obra de dois historiadores anticlericais que queriam fazer com que a Idade Média, época em que a Igreja mais teve influência, parecesse um imenso absurdo. Não existe nenhum documento medieval que ateste a crença na Terra plana, ao contrário, abundam as produções artísticas e os textos que afirmam a esfericidade da Terra muitos séculos antes do advento de Colombo.

E por falar em Idade Média, como não se lembrar daquelas aulas de História sobre a Inquisição em que os professores nos aterrorizavam com a brutalidade das torturas e com o fanatismo dos bispos da Igreja, que mandavam para a fogueira milhões e milhões (bilhões!, dirão alguns) de pobres inocentes cujo único crime havia sido discordar da doutrina oficial? Balelas sem fim. Sabe-se muito bem que os números de condenados à pena capital foram infinitamente menores que os propalados por aí e que a realidade jurídica da Inquisição era a mesma que vigorava até então também na justiça secular. A pena de morte não era a única pena que existia e era a menos aplicada. A clemência dos tribunais inquisitoriais era tão notável que muitos criminosos comuns cometiam voluntariamente crimes contra a religião para serem julgados pela Inquisição, que fazia com que o processo fosse imediatamente interrompido quando o acusado mostrava-se arrependido e que se fosse condenado à pena de reclusão para cumprir penitências (como rezar tantas ave-marias e padre-nossos, aliás, é daí que surge o nome “penitenciária”) em algum mosteiro, havia dispositivos que determinavam a soltura do penitente para férias ou para tratar de um familiar doente.

Diversos juristas já afirmaram que a Inquisição representou um avanço em termos de humanidade no tratamento dado a um condenado. Sabemos também que ela foi instituída para proteger as pessoas do fanatismo popular, que por si só linchava os que vituperavam a religião comum, e do arbítrio dos reis, que executavam desafetos políticos sob o pretexto da religião. A Igreja tomou para si as responsabilidades dos casos de ofensa à religião, deixando aos poderes civis a competência para julgar os crimes comuns. Deixe-me explicá-lo melhor. Antes do surgimento da Inquisição em certo país hipotético já era crime professar ideias ofensivas à religião estabelecida. Eu disse ofensivas e não, meramente contrárias. A pena para esses casos era frequentemente a pena de morte. Pois bem, o que a Igreja tinha em mente quando estabeleceu o Santo Ofício era basicamente conseguir o arrependimento do indivíduo para que o Estado não pusesse as mãos nele. Se o sujeito permanecesse aferrado às suas ideias (o que mostra traços de fanatismo nos acusados, pois bastava se dizer arrependido para ser posto em liberdade), ele era entregue ao braço secular para a aplicação da pena que já era prevista. A Igreja não podia obrigar a pessoa a ser católica e a se converter.  Muitos dos condenados iam alegremente para a fogueira como mártires de suas ideias “benfazejas”, como os cátaros, por exemplo, que, entre outras coisas, ensinavam o assassinato de mulheres grávidas.

Outro fato que me chama a atenção é a ênfase e as distorções para com a Inquisição católica, que segundo um historiador protestante foi importante para o estabelecimento da ordem e da civilização contra elementos misantropos, e o silêncio para com a Inquisição calvinista que fez com que Genebra vivesse um verdadeiro clima de terror.

Que tenha havido erros nos julgamentos inquisitoriais é inegável (qual sistema jurídico é ilibado nesse sentido?), mas os princípios estavam bem fundamentados na doutrina cristã da caridade e no arsenal jurídico disponível na época. Ela era bem vista pelos grandes intelectuais e pelo povo, que, aliás, exigia a presença dos tribunais em suas comunas e vilas.

As perguntas que ficam são: quando os historiadores católicos vão se insurgir contra as mentiras para que a verdade possa triunfar? Até quando essa omissão persistirá?

Nas próximas semanas trataremos de outros temas tão distorcidos dentro da História.

William Bottazzini

terça-feira, 19 de junho de 2012

Nosso tempo


Qual de nós já não ouviu alguma vez ao menos uma das seguintes expressões: “a verdade não existe” ou “tudo é relativo”. Incessantemente repetidas, tais expressões ganham a força de um dogma divinamente revelado que deve ser crido, mas jamais questionado.

Claro está que uma mente mais atenta perceberá que estas frases trazem em si uma contradição interna, pois para toda proposição podemos atribuir um valor: a proposição é verdadeira ou falsa, uma vez que tertium non datur, não há terceira opção. Pois bem, sendo assim, a proposição “a verdade não existe” ou é verdadeira ou é falsa. Sendo verdadeira, então a verdade existe e encontra-se exatamente na frase que a nega, o que gera uma tremenda contradição; contudo, sendo falsa, seu conteúdo deve ser desconsiderado e a conclusão mais uma vez é de que a verdade existe. Em todo caso esta frase cria um dilema cuja única solução é: a verdade existe.

Quanto à expressão “tudo é relativo”, também podemos observar que ela é de certa forma incompleta, pois o termo “relativo” indica uma relação entre um absoluto e um referencial. Exemplo, em relação ou relativamente à minha mesa, o computador encontra-se na parte de cima. Devemos nos lembrar de nossas aulinhas de português quando aprendemos em regência nominal que o que é relativo é sempre relativo “a” algo. Não dá para se estabelecer uma relação se não houver ao menos dois conceitos.

Mas por qual motivo estou eu aqui nestas linhas insistindo sobre a questão da verdade? É possível que estejamos vivendo pela primeira vez na história um fenômeno que vem sendo chamado de “ditadura do relativismo”. Isso significa que as bases de todo um mundo estão sendo profundamente abaladas e isso tem conduzido as pessoas à incerteza, ao caos, ao desespero. O amor pelos estudos e pela verdade cedeu lugar à opinião. “Ah, você deve ser uma pessoa de opinião!”, diz-se frequentemente, como se a opinião prevalecesse sobre o real e o transformasse. Não é assim. Por mais que uma pessoa parada no meio de uma rodovia insista em acreditar que o que está vindo em sua direção é uma inofensiva tartaruga, isso não mudará o fato de que o que se dirige a ela é uma carreta que poderá atingi-la mortalmente se ela não se retirar do local perigoso em que se encontra.

Ademais, se o que vale é a opinião ou a interpretação que eu faço das coisas, para que devem os professores ensinar? Para que devem as pessoas ir ao médico ou aos tribunais? Não se precisaria de um exame para comprovar a existência ou não de uma enfermidade, bastaria a opinião do paciente e tudo estaria resolvido. Contudo, se as pessoas vão à escola, ao médico ou aos tribunais, é porque querem saber a verdade. Aliás, como somos rigorosos com a verdade quando alguém nos volta o troco errado, dando-nos menos do que devia! Eis uma situação onde toda a opinião é abandonada e a verdade é procurada centavo por centavo!

Como é triste quando um professor (principalmente meus colegas de História!) dizem que a verdade não existe, ou que não existe o certo ou o errado. Ora, se um professor alega que a verdade não existe, ele deve recusar o direito de corrigir o que quer que seja e tudo passa a ser mera interpretação, mas como a interpretação é pessoal, não há nada a ser corrigido e toda a turma deve tirar dez sempre (alunos que me lêem, não se empolguem!). Tudo deve ser permitido. Assim, se não existe verdade em História, por exemplo, que mal teria se um aluno resolvesse responder que o descobridor da América foi um tio ou o avô ainda vivos? Afinal o próprio professor disse que não existe verdade...se não existe verdade, não deve o professor marcar nada errado.

Assim também a própria vida perde o sentido e as pessoas tornam-se simples objetos. Na recusa da verdade, as pessoas voltam-se umas contra as outras e até mesmo contra si mesmas. Se tudo depende da opinião, um grupo pode simplesmente ter a opinião de que um outro não deva existir. Foi assim que surgiu o nazismo. Ou ainda, se tudo depende da opinião, uma pessoa pode simplesmente ter a opinião de que se afundar nas drogas é a verdadeira felicidade. A falsa liberdade trazida pela sensação de inexistência da verdade conduz invariavelmente ao oposto daquilo que se busca. Em um hospital onde tudo é permitido, o que está proibido é ter saúde...

Para encerrar chamo a atenção para outra situação comum em nossos dias: ninguém quer ser “dono” da verdade. Saber a verdade virou sinônimo de intolerância e despotismo. Por isso nem mesmos os pais hoje encontram forças para educar seus amados filhos. Querer ser “dono” da verdade, como se diz, é justamente querer aprender para servir. É para servir que um padre, um professor, um médico e um juiz estudam. É para, do topo de sua sabedoria adquirida com tantos anos de esforços, atender aos que nada ou pouco sabem, que eles se dedicaram com tanto afinco a suas ocupações. Só os que querem servir buscam a verdade. O conhecimento da verdade deve ser a raiz mais profunda da humildade. Na semana que vem falarei sobre as origens desta mentalidade relativista que nos atinge em cheio atualmente, mas gostaria de concluir dizendo que o ser humano apenas se realiza completamente enquanto tal quando busca a verdade e a sabedoria.

William Bottazzini