Qual de nós já não ouviu alguma
vez ao menos uma das seguintes expressões: “a verdade não existe” ou “tudo é
relativo”. Incessantemente repetidas, tais expressões ganham a força de um
dogma divinamente revelado que deve ser crido, mas jamais questionado.
Claro está que uma mente mais
atenta perceberá que estas frases trazem em si uma contradição interna, pois
para toda proposição podemos atribuir um valor: a proposição é verdadeira ou
falsa, uma vez que tertium non datur,
não há terceira opção. Pois bem, sendo assim, a proposição “a verdade não
existe” ou é verdadeira ou é falsa. Sendo verdadeira, então a verdade existe e
encontra-se exatamente na frase que a nega, o que gera uma tremenda contradição;
contudo, sendo falsa, seu conteúdo deve ser desconsiderado e a conclusão mais
uma vez é de que a verdade existe. Em
todo caso esta frase cria um dilema cuja única solução é: a verdade existe.
Quanto à expressão “tudo é
relativo”, também podemos observar que ela é de certa forma incompleta, pois o
termo “relativo” indica uma relação entre um absoluto e um referencial.
Exemplo, em relação ou relativamente à minha mesa, o computador
encontra-se na parte de cima. Devemos nos lembrar de nossas aulinhas de
português quando aprendemos em regência nominal que o que é relativo é sempre
relativo “a” algo. Não dá para se
estabelecer uma relação se não houver ao menos dois conceitos.
Mas por qual motivo estou eu aqui
nestas linhas insistindo sobre a questão da verdade? É possível que estejamos
vivendo pela primeira vez na história um fenômeno que vem sendo chamado de
“ditadura do relativismo”. Isso significa que as bases de todo um mundo estão
sendo profundamente abaladas e isso tem conduzido as pessoas à incerteza, ao
caos, ao desespero. O amor pelos estudos e pela verdade cedeu lugar à opinião.
“Ah, você deve ser uma pessoa de opinião!”, diz-se frequentemente, como se a
opinião prevalecesse sobre o real e o transformasse. Não é assim. Por mais que
uma pessoa parada no meio de uma rodovia insista em acreditar que o que está
vindo em sua direção é uma inofensiva tartaruga, isso não mudará o fato de que
o que se dirige a ela é uma carreta que poderá atingi-la mortalmente se ela não
se retirar do local perigoso em que se encontra.
Ademais, se o que vale é a
opinião ou a interpretação que eu faço das coisas, para que devem os
professores ensinar? Para que devem as pessoas ir ao médico ou aos tribunais?
Não se precisaria de um exame para comprovar a existência ou não de uma
enfermidade, bastaria a opinião do paciente e tudo estaria resolvido. Contudo,
se as pessoas vão à escola, ao médico ou aos tribunais, é porque querem saber a
verdade. Aliás, como somos rigorosos com a verdade quando alguém nos volta o
troco errado, dando-nos menos do que devia! Eis uma situação onde toda a
opinião é abandonada e a verdade é procurada centavo por centavo!
Como é triste quando um professor
(principalmente meus colegas de História!) dizem que a verdade não existe, ou
que não existe o certo ou o errado. Ora, se um professor alega que a verdade
não existe, ele deve recusar o direito de corrigir o que quer que seja e tudo
passa a ser mera interpretação, mas como a interpretação é pessoal, não há nada
a ser corrigido e toda a turma deve tirar dez sempre (alunos que me lêem, não
se empolguem!). Tudo deve ser permitido. Assim, se não existe verdade em
História, por exemplo, que mal teria se um aluno resolvesse responder que o
descobridor da América foi um tio ou o avô ainda vivos? Afinal o próprio
professor disse que não existe verdade...se não existe verdade, não deve o
professor marcar nada errado.
Assim também a própria vida perde
o sentido e as pessoas tornam-se simples objetos. Na recusa da verdade, as
pessoas voltam-se umas contra as outras e até mesmo contra si mesmas. Se tudo
depende da opinião, um grupo pode simplesmente ter a opinião de que um outro
não deva existir. Foi assim que surgiu o nazismo. Ou ainda, se tudo depende da
opinião, uma pessoa pode simplesmente ter a opinião de que se afundar nas
drogas é a verdadeira felicidade. A falsa liberdade trazida pela sensação de
inexistência da verdade conduz invariavelmente ao oposto daquilo que se busca.
Em um hospital onde tudo é permitido, o que está proibido é ter saúde...
Para encerrar chamo a atenção
para outra situação comum em nossos dias: ninguém quer ser “dono” da verdade.
Saber a verdade virou sinônimo de intolerância e despotismo. Por isso nem
mesmos os pais hoje encontram forças para educar seus amados filhos. Querer ser
“dono” da verdade, como se diz, é justamente querer aprender para servir. É
para servir que um padre, um professor, um médico e um juiz estudam. É para, do
topo de sua sabedoria adquirida com tantos anos de esforços, atender aos que
nada ou pouco sabem, que eles se dedicaram com tanto afinco a suas ocupações. Só
os que querem servir buscam a verdade. O conhecimento da verdade deve ser a
raiz mais profunda da humildade. Na semana que vem falarei sobre as origens
desta mentalidade relativista que nos atinge em cheio atualmente, mas gostaria
de concluir dizendo que o ser humano apenas se realiza completamente enquanto
tal quando busca a verdade e a sabedoria.
William Bottazzini
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