Hoje, gostaria de convidá-los
a uma singela reflexão acerca daquilo que perdemos ou, talvez melhor, que
deixamos perder ao longo de algumas décadas, em nome de inovações duvidosas e
de posições subjetivistas que tendem, ao final das contas, a uma
individualização constante, fazendo com que cada ser humano se torne pura e
simplesmente uma ilha, como se a vida em sociedade não fosse um bem precioso,
mas sim, no melhor estilo rousseauniano, um mal necessário. Não que não deva haver mudanças e
aperfeiçoamentos, estes são indubitavelmente necessários e queridos em dadas
circunstâncias, contudo não se pode simplesmente ejetar tesouros que serviram
de molde para a formação das coisas que tanto estimamos e que são indeléveis.
Dou-lhes um exemplo concreto de um desses tesouros desaparecidos: o
estudo da língua latina. Não só o estudo, mas mesmo o interesse e a curiosidade
pelo latim. Simplesmente esqueceu-se de que a língua dos antigos romanos,
conquistadores do mundo, é simplesmente a base do nosso belo, porém intrincado,
idioma português. A ignorância do latim faz com que nossos alunos de português
sejam massacrados com regras e exceções que, a princípio, não fazem o menor
sentido e as quais eles não terão a menor possibilidade, inclusive após seus
estudos universitários, de bem compreender e utilizá-las. Afinal, por que razão
o infinitivo de um verbo é “ir” e em sua conjugação surge um “v” intrometido:
eu vou, tu vais, ele vai...? Só o entende quem conhece os verbos “ire” e “vadere” latinos. Isso para não entrarmos em questões sintáticas
(objetos, complementos, adjuntos e outros “monstros” do mesmo estilo) que são
praticamente terras incógnitas para a maioria esmagadora dos que deixam o
Ensino Médio. Também não mencionaremos a miséria etimológica em que vivemos...
Quem perde com a ausência do idioma do Lácio em nossos currículos? Todos
nós. Sem ele, o português perde a sua lógica e se transforma em um amontoado de
regras que nenhum mortal é capaz de domar. E qual o problema disso? O problema
é que sem um uso correto e coerente do idioma o discurso torna-se
frequentemente ilógico e sem bases. A concatenação das ideias fica
perigosamente comprometida e perde-se facilmente o fio da meada. Não é, pois, à
toa, que os alunos tenham dificuldades enormes em compor uma redação coesa, com
começo, meio e fim e que tampouco sejam capazes de encadear corretamente uma
argumentação filosófica, por exemplo. Necessitamos de um aparato lingüístico
para nos exprimir e se este aparato encontrar-se deformado, nossa expressão
também estará prejudicada.
Mas o latim não seria útil apenas para proporcionar maior domínio do
português. Ele é a porta que nos permite acesso a todo um mundo de cultura que
enobreceu a civilização ocidental. Afinal foi em latim que gênios das mais
diversas áreas exprimiram-se. Para os poetas dignos desse título, o
conhecimento das peças de Ovídio e Virgílio é um imperativo; já os cientistas
deverão recorrer sempre às leis de Newton, expostas em latim, no seu Principia Mathematica; os historiadores
que quiserem conhecer a fundo a sociedade romana deverão ler Suetônio, Tito
Lívio e Tácito, para citar alguns. Também as maiores riquezas do cristianismo
foram pensadas em latim como as encontramos em Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino. Aliás, os católicos devem ter um profundíssimo amor pelo latim, já que
esta é a língua oficial do Vaticano. Qual não é a emoção de se recitar um Pater Noster (Pai-Nosso) tal qual rezam
os cristãos desde há dois mil anos? Trata-se simplesmente de se entrar em uma
tradição multissecular que une os cristãos de todos os tempos e povos. Também o
mundo da Reforma deve muito ao latim, pois Lutero e Calvino, os principais
reformadores, compuseram seus trabalhos, sobretudo, na língua dos herdeiros de
Rômulo e Remo.
Ademais, o latim seria uma resposta salutar a um mundo utilitarista que
sempre pergunta “para que serve isso?”, como se as coisas apenas tivessem valor
se trouxessem algum benefício material como contrapartida. Uma pessoa que
estudar latim não terá seu salário aumentado abruptamente nem gozará de maior
prestígio, mas possuirá seu espírito e inteligência enriquecidos e muito bem
orientados com séculos de cultura de inestimável valor. Em suma, o latim nos
ensina a simplesmente amar o saber pelo saber.
Por que não podemos cultivar e conservar as coisas mais belas que nós,
seres humanos, já produzimos?
William Bottazzini
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