EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS

terça-feira, 1 de maio de 2012

Aquilo que perdemos...



Hoje, gostaria de convidá-los a uma singela reflexão acerca daquilo que perdemos ou, talvez melhor, que deixamos perder ao longo de algumas décadas, em nome de inovações duvidosas e de posições subjetivistas que tendem, ao final das contas, a uma individualização constante, fazendo com que cada ser humano se torne pura e simplesmente uma ilha, como se a vida em sociedade não fosse um bem precioso, mas sim, no melhor estilo rousseauniano, um mal necessário.  Não que não deva haver mudanças e aperfeiçoamentos, estes são indubitavelmente necessários e queridos em dadas circunstâncias, contudo não se pode simplesmente ejetar tesouros que serviram de molde para a formação das coisas que tanto estimamos e que são indeléveis.
Dou-lhes um exemplo concreto de um desses tesouros desaparecidos: o estudo da língua latina. Não só o estudo, mas mesmo o interesse e a curiosidade pelo latim. Simplesmente esqueceu-se de que a língua dos antigos romanos, conquistadores do mundo, é simplesmente a base do nosso belo, porém intrincado, idioma português. A ignorância do latim faz com que nossos alunos de português sejam massacrados com regras e exceções que, a princípio, não fazem o menor sentido e as quais eles não terão a menor possibilidade, inclusive após seus estudos universitários, de bem compreender e utilizá-las. Afinal, por que razão o infinitivo de um verbo é “ir” e em sua conjugação surge um “v” intrometido: eu vou, tu vais, ele vai...? Só o entende quem conhece os verbos “ire” e “vadere” latinos. Isso para não entrarmos em questões sintáticas (objetos, complementos, adjuntos e outros “monstros” do mesmo estilo) que são praticamente terras incógnitas para a maioria esmagadora dos que deixam o Ensino Médio. Também não mencionaremos a miséria etimológica em que vivemos...
Quem perde com a ausência do idioma do Lácio em nossos currículos? Todos nós. Sem ele, o português perde a sua lógica e se transforma em um amontoado de regras que nenhum mortal é capaz de domar. E qual o problema disso? O problema é que sem um uso correto e coerente do idioma o discurso torna-se frequentemente ilógico e sem bases. A concatenação das ideias fica perigosamente comprometida e perde-se facilmente o fio da meada. Não é, pois, à toa, que os alunos tenham dificuldades enormes em compor uma redação coesa, com começo, meio e fim e que tampouco sejam capazes de encadear corretamente uma argumentação filosófica, por exemplo. Necessitamos de um aparato lingüístico para nos exprimir e se este aparato encontrar-se deformado, nossa expressão também estará prejudicada. 
Mas o latim não seria útil apenas para proporcionar maior domínio do português. Ele é a porta que nos permite acesso a todo um mundo de cultura que enobreceu a civilização ocidental. Afinal foi em latim que gênios das mais diversas áreas exprimiram-se. Para os poetas dignos desse título, o conhecimento das peças de Ovídio e Virgílio é um imperativo; já os cientistas deverão recorrer sempre às leis de Newton, expostas em latim, no seu Principia Mathematica; os historiadores que quiserem conhecer a fundo a sociedade romana deverão ler Suetônio, Tito Lívio e Tácito, para citar alguns. Também as maiores riquezas do cristianismo foram pensadas em latim como as encontramos em Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Aliás, os católicos devem ter um profundíssimo amor pelo latim, já que esta é a língua oficial do Vaticano. Qual não é a emoção de se recitar um Pater Noster (Pai-Nosso) tal qual rezam os cristãos desde há dois mil anos? Trata-se simplesmente de se entrar em uma tradição multissecular que une os cristãos de todos os tempos e povos. Também o mundo da Reforma deve muito ao latim, pois Lutero e Calvino, os principais reformadores, compuseram seus trabalhos, sobretudo, na língua dos herdeiros de Rômulo e Remo.
Ademais, o latim seria uma resposta salutar a um mundo utilitarista que sempre pergunta “para que serve isso?”, como se as coisas apenas tivessem valor se trouxessem algum benefício material como contrapartida. Uma pessoa que estudar latim não terá seu salário aumentado abruptamente nem gozará de maior prestígio, mas possuirá seu espírito e inteligência enriquecidos e muito bem orientados com séculos de cultura de inestimável valor. Em suma, o latim nos ensina a simplesmente amar o saber pelo saber.
Por que não podemos cultivar e conservar as coisas mais belas que nós, seres humanos, já produzimos?

William Bottazzini

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