EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS

domingo, 17 de abril de 2011

Se Deus existe, de onde vem o mal?



Si Deus est unde malum? Et si non est, unde bonum?  - Se Deus existe, de onde vem o mal? E se não existe, de onde vem o bem?

Estas indagações foram imortalizadas por Boécio, mas não podemos atribuir-lhe a originalidade dessas dúvidas. 

Outros já haviam proposto aquelas perguntas, e foi justamente a não compreensão ou a não aceitação do que seria o mal que conduziu indivíduos ao longo da história a construir os sistemas religiosos e filosóficos mais distantes da verdade revelada por Nosso Senhor e mantida pela Igreja. 

Entre os antigos cristãos esta objeção já era feita pelos não crentes ou por aqueles que acabavam por fundar novas doutrinas por não aceitar aquilo que havia sido ensinado pelos apóstolos e seus sucessores.

É verdade que haverá uma inconsistência aparente entre o que diz a doutrina cristã e a realidade perceptível. Para os cristãos, Deus é o Sumo Bem e este mesmo Deus que é o Sumo Bem é também o Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. Sendo assim, se tudo o que é criado traz traços do Criador, podemos dizer, em consonância com o que diz o livro do Gêneses, que tudo o que Deus criou é bom. Logo, a criação é boa.

Mas como pode a criação ser boa e ao mesmo tempo vermos tanta gente sofrer devido às tragédias que são provocadas pelo ser humano ou pela própria natureza? Por que Deus, sendo tão bom assim, não impede que aconteça os terremotos e as catástrofes que dizimam tantos inocentes? Por que Deus permite que criminosos ceifem as vidas de tantas pessoas a cada segundo? Por que vemos tantas pessoas boas padecendo e tantos maus gozando de uma vida abundante?

Muitos heresiarcas, porém, encontraram a resposta para estes enigmas recorrendo à seguinte solução: ora, o mundo criado é incompatível com a bondade de Deus, haja vista os males existentes; logo a criação não pode ser obra de um Deus bom, assim, deve ter sido obra de um deus que era mau ou ignorante. O desenvolvimento desta tese vai ser o responsável pelo surgimento de várias cosmogonias, das quais as principais são:

a) Há um princípio bom e um princípio mau. Este é o criador do mundo, enquanto aquele se encontra em um local distante, inatingível, ou melhor, atingível apenas por poucos "eleitos" ou "escolhidos".

b) Das emanações de Deus, teria surgido uma emanação que ignorava as emanações antecedentes, julgando-se, pois, a única divindade existente e o único ser perfeito. Contudo, sendo imperfeita, esta emanação teria criado um mundo igualmente imperfeito. Daí que enquanto muitos acham que o Deus criador da Bíblia é o Ser Supremo, na verdade este se encontra em um local oculto, que apenas pode ser conhecido por uma forma de gnose (conhecimento) privilegiada. Assim, o Deus que aparece na Bíblia é apenas a emanação que se julga como único Deus sem sê-lo de fato.

c) Houve um confronto entre o princípio bom e princípio mau. Tendo o princípio mau vencido a batalha, ele encarcerou o princípio bom na matéria. Logo, as coisas criadas mantém a divindade em cárcere e é nossa missão liberá-la para que ela possa, uma vez reunidas todas as suas partes, retornar a sua morada e destruir as forças do mal. Vemos pois, que o mundo, sendo obra do princípio mau provisoriamente vencedor, é mau.

É daqui que brotam os sistemas gnósticos que influenciarão, de forma mais ou menos intensa, as mais diversas doutrinas e movimentos pelos séculos, incluindo o protestantismo, o espiritismo e o comunismo. 

Em primeiro lugar, a desordem encontrada no mundo não foi obra de Deus, mas do homem que abriu as portas para a entrada do pecado e para o desequilíbrio na criação. 

A seguir, devemos notar que se mesmo com o pecado no mundo este continuasse a ser um "paraíso", o ser humano deixaria de querer e amar a Deus, que é o Sumo Bem. Mas, para ser salvo é necessário querer  e amar a Deus, ora, no caso de um paraíso terrestre, ninguém se salvaria. O cristão vê o mundo como um local de peregrinação. É neste local que ele deve traçar o seu caminho visando a sua salvação que nada mais é do que passar a eternidade ao lado de Deus. É o próprio amor de Deus que permite o mal acontecer para que possamos perceber também a existência do bem, e, assim, procurar pela sua origem. O término desta busca deve conduzir necessariamente a Deus, que deve ser o fim último de todo ser humano. Apenas ao lado d'Ele seremos integralmente felizes.

Ademais, vale lembrar que o mal absoluto não existe. Se existisse o mau absoluto, ele possuiria um bem: o da existência. Assim, não seria o mal absoluto. Então que seria o mal? Nada mais do que o desordenamento dos  bens. Vejamos.

Sabemos que o dinheiro é um bem. Ele nos proporciona muitas coisas. Contudo há também o bem da justiça, que se encontra, em uma escala dos bens, acima do dinheiro. Pois, se eu dediquei parte do meu tempo para obter os bens que tenho, trabalhando honestamente, nada mais justo do que poder usufruir das coisas que legitimamente possuo sem que ninguém arranque-os injustamente de mim. 

Entretanto, o roubo é uma coisa má. Mas o que é o roubo? O ladrão quando rouba nada mais faz do que colocar um bem menor, o dinheiro, acima de um bem maior, a justiça. Vemos pois que o mal é a inversão dos bens. E é isso que o diabo faz. Ele inverte os bens criados por Deus. O diabo nada cria. Aliás, ele foi criado bom por Deus, foi anjo do Senhor, mas foi o primeiro a querer inverter a ordem dos bens, pois quis colocar-se acima de Deus, ou seja, ele (um bem menor) quis ser maior que Deus (o Bem Absoluto).

Na sua infinita misericórdia, Deus permite que maus indivíduos prosperem nesta vida, porque o coração destes encontra-se de tal maneira endurecido que eles já não se lembram de Deus, tornando a sua salvação quase impossível. Percebendo que estes estão prestes a se precipitar na condenação eterna, Deus permite que eles sejam felizes ao menos em parte de sua existência.

Outrossim, cabe lembrar que Deus criador de todas as coisas, é poderoso o suficiente para retirar de um acontecimento ruim um bem maior ainda.

Como disse São Tomás Morus, enquanto aguardava a sua execução:

"Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na verdade, muito bom"

Para encerrar, cabe lembrar que a postura dos cristãos não pode ser de apatia diante do mal. É nosso dever contribuir para aliviar o sofrimento dos que padecem, mostrando-lhes que, independentemente de quão ruim tenha sido o ocorrido, há um Bem infinitamente maior.

Fiquemos com Deus.

Willliam

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