EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS

sábado, 6 de agosto de 2011

Dica de Leitura: "COMO A IGREJA CATÓLICA CONSTRUIU A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL" de Thomas Woods

Abaixo, compartilho uma singela resenha que fiz deste ótimo livro.



Em um mundo extremamente laicizado, parece ser bastante arriscado, sob o ponto de vista editorial, arriscar-se a lançar um livro acadêmico onde a religião seja tratada de forma positiva. Para ser mais preciso: onde a Igreja Católica seja tratada de forma positiva. Afinal, não estamos na época onde a religião é tratada como uma espécie de superstição anacrônica? Não foi a religião a responsável pela estagnação do conhecimento científico ao longo dos séculos? E, no caso específico do catolicismo, o que dizer do caso Galileu? Este acontecimento não é um exemplo do ápice do fanatismo e da intolerância?
Para responder a esta e outras perguntas, o professor Thomas Woods parte de um pressuposto: em qualquer área do conhecimento humano encontrar-se-ão mitos. Com a História não se dá de outro modo.
O livro de Woods está repartido em onze capítulos. Abaixo, faremos uma síntese daquilo que se encontra em cada um deles.
No primeiro, “A Igreja Indispensável”, o autor traça brevemente o escopo de seu trabalho. Para o autor é fundamental mostrar às pessoas, apesar dos preconceitos, o quão importante fora a atividade da Igreja ao longo dos séculos (WOODS, 2008, p. 5). É neste capítulo, ainda, que Woods critica os comentários negativos, muitas vezes mal fundamentados e não oriundos de especialistas, acerca do período em que a Igreja atingiu o máximo de sua influência sobre a sociedade européia: a Idade Média. Segundo Woods (2008, p.7), tem sido demonstrado por eminentes especialistas em história da ciência o quanto é disparatada a idéia de “Idade das Trevas” para retratar a Idade Média. O autor lembra ainda que em diversas áreas do saber, “(...) a Igreja imprimiu uma marca indelével no próprio coração da civilização européia” (WOODS, 2008, p.10).
O capítulo seguinte, “Uma Luz nas Trevas”, é preenchido por linhas que procuram resgatar as esquecidas glórias da Alta Idade Média. Se houve, no início do medievo, algum retrocesso em relação à cultura clássica, isso não se deve ao cristianismo, mas às invasões bárbaras que criavam um clima de caos impróprio para o desenvolvimento do saber (WOODS, 2008, p.12). Contudo, aos poucos estes “bárbaros”, a começar dos francos de Clóvis, converteram-se ao cristianismo e, através da Igreja, puderam tomar contato com muito do que fora legados pelos antigos e preservado no seio da Igreja. Fora com os francos que a Igreja estabelecera um contato mais próximo, e fora justamente na zona de domínio franco que se deu o denominado “Renascimento carolíngio”, que fez ressurgir o interesse pelo latim e pelos textos clássicos. Houve fomento do ensino das famosas sete artes liberais (subdivididas em trivium e quadrivium). É neste cenário, ainda, que vemos nascer a minúscula carolíngia. Com a invenção da minúscula, houve uma aceleração no processo de cópias de obras, o que fez com que o conhecimento adquirido até então pudesse ser mais rapidamente propagado.  Após a morte de Carlos Magno, “a iniciativa da difusão do conhecimento recaiu cada vez sobre a Igreja” (WOODS, 2008, p. 21) e a os Concílios regionais passaram a exigir que os sacerdotes abrissem escolas e não cobrassem para ensinar. É nestas escolas que podemos encontrar o embrião das universidades, outra “invenção” da “Idade das Trevas”.
O título do terceiro capítulo é bastante sugestivo: “Como os monges salvaram a civilização”. Estes personagens invisíveis e anônimos para a sociedade hodierna foram o sustentáculo da civilização européia nos períodos mais conturbados do ocidente. Os monges causaram verdadeiras revoluções na geografia da Europa. Foram eles os responsáveis por transformar lugares inabitáveis como desertos e pântanos em verdadeiros paraísos (WOODS, 2008, pp. 30-31). Outras áreas em que os monges se destacaram foram: o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de tecnologias, pois é difícil encontrar algo da época medieval em que os monges não tenham constituído-se como verdadeiros especialistas; as obras de caridade, pois era nos mosteiros que peregrinos errantes e outros miseráveis iam buscar o seu alento; a palavra escrita, os copistas dos monastérios foram os grandes responsáveis pela preservação de textos da Antiguidade; e, finalmente, a educação, que embora voltada para aqueles que estavam por professar os votos monásticos, também contribuiu para o desenvolvimento do Ocidente.
“A Igreja e a Universidade”: eis como se abre o capítulo quarto. Na verdade, as universidades nasceram de desdobramentos ocorridos com as escolas medievais, e a Igreja, mas especificamente, o Papado, teve papel capital para que as mesmas fossem estabelecidas. Os diplomas das Universidades que estavam sob jurisdição papal eram reconhecidos em toda Cristandade e aos mestres era concedida uma autorização especial: o ius ubique docendi, isto é, o direito de ensinar em qualquer lugar. Mas os mestres não eram os únicos privilegiados, também os estudantes foram agraciados de diversos modos para que não sofressem abusos ou vexações por parte dos habitantes da cidade onde estava instalada a Universidade. Foi ainda nas Universidades que vimos surgir noções como rigor lógico e o estudo sistemático, sendo a Escolástica a maior representante deste período. Diante deste quadro, podemos ver como carece de sentido a alegação de que a Igreja seja hostil à ciência. E é exatamente este o assunto a ser tratado no capítulo seguinte.
Em “A Igreja e a Ciência”, Woods mostra as importantes contribuições da Igreja para o conhecimento científico ao mesmo tempo em que desfaz alguns “mal-entendidos”. Em primeiro lugar ele trata daquele caso que serve de sustentáculo para os defensores da tese de que ciência e religião são essencialmente incompatíveis: o caso Galileu. Woods mostra que, embora este não tenha sido o momento mais brilhante da História da Igreja, os acontecimentos verdadeiros estão bem distantes do imaginário popular-científico que procura ver no célebre astrônomo um tipo de mártir da ciência. Woods cita Langford para explicar um pouco do que se passou:
Parte da culpa dos acontecimentos subseqüentes deve ser atribuída ao próprio Galileu, que recusou qualquer ressalva e, sem provas suficientes, fez derivar o debate para o terreno próprio dos teólogos (WOODS, 2008, p.67)

                        É válido notar ainda que a Igreja sempre apoiara estudos astronômicos e o desenvolvimento da ciência em geral, inclusive com base em textos bíblicos, segundo atesta Woods:
                                                     Jaki chama a nossa atenção para o livro da Sabedoria (11, 20), onde se diz que Deus dispôs todas as coisas com medida, quantidade e peso. Esse versículo, de acordo com Jaki, não apenas deu suporte aos cristãos que defenderam a racionalidade do universo nos fins da Antiguidade, como também incentivou os cristãos que viveram um milênio mais tarde, nos começos da ciência moderna, a investir em pesquisas quantitativas como caminho para entender o universo. (WOODS, 2008, p.72)

                        Ou seja, no caso Galileu, especificamente, podemos observar uma sucessão de incompreensões que nada tinha que ver com ciência ou religião.
                       Ademais, é válido ressaltar que ao longo da história diversos padres foram cientistas e que algumas catedrais possuíam em si estruturas que serviam justamente para facilitar observações astronômicas. Woods dá grande destaque para as atividades dos jesuítas que se destacaram no estudo de diversas áreas como: astronomia, matemática, Egito antigo, óptica e outros. Woods chama a atenção para o fato de que fora em uma Europa católica que se deu o florescer do pensamento científico. E por quê? Devido à mentalidade filosófica e teológica daquela Europa, pois, uma vez mais, “Deus dispôs todas as coisas com medida, quantidade e peso”, isto é, há ordem no mundo, e se há ordem, é possível estudar e entender o mundo que nos cerca. É justamente a ausência da noção de “ordem no mundo” que fez com que muitas sociedades, embora tivessem contribuições admiráveis, tenham ficado estagnadas no que concerne ao desenvolvimento científico. “Foram as idéias teológicas católicas que forneceram as primeiras bases para o progresso científico” (WOODS, 2008, p. 108).  E mais adiante, diz o historiador norte-americano: “Não foi mera coincidência que a ciência moderna tivesse surgido no ambiente católico da Europa ocidental” (WOODS, 2008, p. 109).
                       O capítulo seis trata sobre “a Arte, a Arquitetura e a Igreja”. Se nos outros campos de atividade a influência da Igreja é obscurecida por omissões ou deturpações, nos campos da arte e da arquitetura a influência da Igreja é um tanto patente.  As catedrais com suas belíssimas estruturas e vitrais, tornaram-se símbolo de um continente e de uma mentalidade. A rejeição da Igreja em relação à iconoclastia permitiu que diversos gênios ao longo dos séculos pudessem imortalizar com sua arte cenas da vida dos santos e das histórias bíblicas.
                       O capítulo seguinte versa sobre “As Origens do Direito Internacional”. Aqui há destaque para a atuação do padre Francisco de Vitória, que viveu no século XVI, e é considerado como o pai do direito internacional (WOODS, 2008, p. 131), pois “defendeu a doutrina de que todos os homens são igualmente livres; e, com base na liberdade natural, proclamou o direito à vida, à cultura e à propriedade” (NOVAK apud WOODS, 2008, p. 131) e ainda “proporcionou ao mundo da sua época a primeira obra-prima do direito das nações, tanto em tempo de paz como de guerra” (NOVAK apud WOODS, 2008, p. 131). Outro personagem que é enfatizado neste capítulo é Bartolomeu de las Casas, que lutara intrepidamente em favor dos nativos e contra os abusos que lhes eram infligidos pelos espanhóis, seus compatriotas.
                        No oitavo capítulo o enfoque é a respeito da “Igreja e a Economia”. Aqui, salienta-se a importância das obras de Jean Buridan e Nicolau Oresme, ambos escritores medievais, para o pensamento econômico. Woods nota que foi entre os franciscanos medievais que surgiu a teoria do valor subjetivo, segundo o valor de um bem é determinado de forma subjetiva, não objetiva (2008, p.150).
                         O antepenúltimo capítulo é intitulado: “Como a Caridade Católica Mudou o Mundo”. De fato, a doutrina cristã acerca do amor desinteressado ao próximo chocava-se frontalmente com as concepções de vingança da Antiguidade. Foi dentro desta mentalidade que surgira instituições, inexistentes na Grécia e na Roma antigas, destinadas a cuidar dos mais frágeis: as viúvas, os órfãos, os idosos, os doentes e os pobres. Aliás, em relação aos hospitais, Woods constata que “parece dever-se à Igreja a fundação das primeiras instituições atendidas por médicos, onde se faziam diagnósticos, se prescreviam remédios e se contava com um corpo de enfermagem” (2008, p.166).
                        No penúltimo capítulo, Woods discorre sobre “a Igreja e o Direito Ocidental”. Para ele, o direito canônico desenvolvido ao longo da Idade Média dera uma contribuição decisiva para o desenvolvimento das leis ocidentais ao, por exemplo, regular o matrimônio como união livre entre ambos os nubentes, e ao pôr fim às práticas irracionais dos ordálios (WOODS, 2008, p. 182).
                        E, finalmente, no último capítulo acerca da “Igreja e a Moral no Ocidente”, Woods mostra a superioridade da moral católica em comparação com aquela vigente na Antiguidade.
Platão, por exemplo, disse que um pobre homem cuja doença o tornasse incapaz de trabalhar devia ser abandonado à morte. Sêneca escreveu: “Nós afogamos as crianças que nascem débeis e anormais”. Muitas meninas sadias (incômodas em sociedades patriarcais) eram simplesmente abandonadas, o que fez com que a população masculina do antigo mundo romano ultrapassasse a feminina em cerca de trinta por cento. A Igreja nunca aceitou semelhante comportamento. (WOODS, 2008, 191).
                             
                          A mentalidade católica era, portanto, zelar pelo fraco, e não eliminá-lo como fazia a sociedade pagã antiga.
                         Quanto à mulher é importante perceber de que maneira a doutrina católica elevou a sua dignidade. Com o sacramento do matrimônio, a proibição do divórcio e do adultério, a mulher deixava de ser um mero objeto pertencente ao paterfamilias para ser reconhecida em toda a sua dignidade e em todo o seu valor. As mulheres passaram a ser admiradas e reconhecidas pelas suas virtudes morais (como se pode notar pelas grandes santas que povoam os altares), e não pelos escândalos como na Antiguidade o foram Cleópatra, Messalina, Agripina e Safo.
                           Woods conclui afirmando que a Igreja “não apenas contribuiu para a civilização ocidental – a Igreja construiu essa civilização” (WOODS, 2008, p. 206. Destaque do autor).

REFERÊNCIA:

WOODS, THOMAS. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental. São Paulo: Quadrante, 2008. 224 p.

Por William Bottazzini 

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