EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Revolução Francesa, a Igreja e a Mentira da Liberdade



Liberté, égalité, fraternité...

Liberdade, igualdade e fraternidade; eis o mote que agitou os sentimentos revolucionários dos franceses do século XVIII.

Doces palavras que encantam nossos ouvidos e que nos fazem desejar morrer por elas.

In cauda venenum, diz-se do escorpião. E se no escorpião o veneno está na cauda; nos homens ele se encontra escondido em palavras suaves e bajulações vazias.

Como é fácil deixar-se envenenar por elas!

"Lutemos pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade!"

Não é difícil encontrar o discurso acima escorrendo pelos lábios dos demagogos mais sanguinários que já passaram por essas paragens.

Não pretendo discorrer aqui acerca da doutrina iluminista que serviu de sustentáculo para o desenrolar dos acontecimentos revolucionários de fins do século XVIII; ater-me-ei tão somente a fatos históricos ocorridos na França revolucionária.

Basta-me dizer, entretanto, que o iluminismo estava apoiado em crenças perversas; mesmo não as conhecendo todas, isto podemos deduzir pelos seus frutos, pois, conforme disse Nosso Senhor:

Non potest arbor bona malos fructus facere: neque arbor mala bonos fructus facere. Omnis arbor, quæ non facit fructum bonum, excidetur, et in ignem mittetur. Igitur ex fructibus eorum cognoscetis eos. (Mt. 7, 18 - 20)
A árvore má não pode dar bons frutos...

Evidentemente há uma conjunção de diversos fatores políticos, econômicos e sociais que precipitaram as revoltas na França. A princípio nada de religião. Entretanto, fora o iluminismo que moldara o pensamento dos revolucionários, e como este era predominantemente anti-clerical, não demorou muito para que o aspecto anti-religioso do movimento viesse à tona de maneira brutal.

Em seu décimo artigo, assim se expressa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
 Article 10 - Nul ne doit être inquiété pour ses opinions, mêmes religieuses (...) (Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, inclusive as religiosas (...) )
No artigo seguinte, a Declaração reza pelos direitos de expressão da opinião.

A seguir veremos o quão perigosas essas idéias, quando afastadas da Verdade, são para as mentes e vidas. Que nossa geração possa aprender com os erros do passado,  uma vez que
 Historia magistra vitae

A história é mestra da vida...

Em maio de 1789, o rei Luís XVI convocou os estados gerais, ou seja, a nobreza, o clero e o chamado terceiro estado para que se pudesse solucionar determinados problemas que afligiam os franceses.

No entanto, rapidamente o clima esquentou durante as deliberações e o terceiro estado tomou à frente na direção das discussões e pleiteou a criação de uma Assembléia Nacional; além da promulgação de uma nova constituição.

É interessante vermos que os ideais iluministas já haviam conquistado uma camada relevante da nobreza e do clero. Se soubessem quão caro isto lhes custaria...

Conforme bem lembra Fustel de Coulanges,

quando a autoridade deixa de parecer legítima aos súditos, demora ainda um tempo até que assim pareça aos senhores; mas por fim acontece, e então o senhor, que já não acredita na legitimidade de sua autoridade, defende-a mal ou acaba por renunciar a ela.

Em um curto espaço de tempo as propostas do terceiro estado dominaram as massas que se deixaram seduzir pelos discursos revolucionários que procuravam injetar-lhes o veneno do ódio contra as classes dominantes: a nobreza e o clero.

Havia-se, então, encontrado um pretexto para jogar a população contra a Igreja: as propriedades que esta possuía. Começou-se, assim, uma intensa propaganda contra a Igreja Católica que, de um início sutil, desenvolver-se-ia em inúmeras atrocidades. A liberté havia sido apenas um pretexto...

Contrariamente ao que se propusera no décimo artigo da Declaração, a liberdade da Igreja começou a sofrer um fortíssimo cerceamento.

Por proposta do bispo de Autun, Talleyrand, o patrimônio da Igreja foi colocado à disposição do Estado. Em 1790 a Assembléia Constituinte suprimiu as ordens religiosas. Para os revolucionários, a regra da liberdade religiosa admitia exceções, exceções estas que se tornaram as regras de um governo cada vez mais brutal.

Um dos pontos culminantes desta tendência anti-eclesiástica é a criação da Constituição Civil do Clero.

Por este documento tomaram-se diversas medidas para enfraquecer a Igreja cada vez mais e torná-la apenas uma ferramenta do Estado, uma ferramenta provisória que em breve deveria ser descartada. Reduziu-se o número dos bispados de 134 para 83; eliminaram-se diversos benefícios e ofícios eclesiásticos; decretou-se a eleição popular dos bispos e padres, sem a necessidade de qualquer confirmação papal. A tentativa de destruição da Igreja francesa dava passos cada vez mais largos.

E os defensores da liberté  obrigaram todos os eclesiásticos  a jurar fidelidade à constituição civil. É-nos fácil imaginar a confusão que tomou conta da Igreja francesa: criou-se uma dupla Igreja. Por um lado, havia aqueles que haviam jurado fidelidade à constituição civil (sendo Talleyrand um dos primeiros a fazê-lo); por outro lado, a imensa maioria do clero francês recusou-se a ceder às pressões da Assembléia Constituinte e não fez o juramento.

A fidelidade a Cristo e à Igreja estava mantida por uma imensa maioria de sacerdotes.

Em 1791, a Assembléia Nacional Legislativa, substituta da Constituinte, empreendeu uma perseguição violenta àqueles que se recusaram a fazer o juramento. Estes sacerdotes, filhos fiéis da Igreja, foram presos e/ou deportados. O uso de hábito eclesiástico tornou-se proibido. Tudo em nome da liberté. Mais de duzentos sacerdotes encarcerados foram sumariamente assassinados nas prisões.

Finalmente chegou o tempo da apoteose da liberdade e da fraternidade: a guilhotina. Ela fez vítimas em todas as camadas sociais, espalhando o terror por toda a França. Qualquer ato que parecesse aos revolucionários como subversivo era suficiente para fazer sangue jorrar. A atenção dos revolucionários voltara-se então para os sacerdotes e religiosos que não haviam jurado ou que de certa forma representassem uma ameaça à Revolução.

Assim aconteceu às dezesseis carmelitas de Compiègne que diante da guilhotina renovaram uma a uma a profissão de fé nas mãos da priora. Enquanto esperava no cárcere, uma delas escrevia bravamente a sua vitória com as próprias palavras da revolução:

Allons...l’heure de la gloire est arrivée (Vamos...chegou a hora da glória).

Quantos foram os fuzilamentos e os afogamentos em massa!

Este regime revolucionário sabia que para acabar com a religião deveria acabar com os princípios morais e com a família. Facilitou-se o divórcio e revogou-se a lei do celibato eclesiástico.

A França estava afogando-se em seu próprio sangue...o sonho de liberdade, igualdade e fraternidade transformou-se no pesadelo da opressão e do caos.

O próximo passo dos arautos da liberté, égalité, fraternité fora dar início ao tão sonhado projeto iluminista de descristianização. Buscava-se abolir todo o passado cristão. Não mais se falava em “era cristã”, utilizava-se um calendário republicano. O domingo, principal dia de culto para os cristãos, foi abolido. O mês agora teria trinta dias subdividido em três semanas de dez dias. Ademais, para se substituir os dias santos, passou-se a denonimar cada dia do ano com o nome de um animal, planta ou árvore. Em 1793, o cristianismo foi oficialmente abolido da França.

Profanaram-se as Catedrais e demais igrejas com cultos à “deusa da razão”, muitas igrejas foram transformadas em armazéns ou estrebarias.

Duros momentos de uma época onde tudo é permitido...e apenas a Verdade é proibida.

Contradições humanas que preferem um doce veneno a um remédio amargo, mas salutar. Negar-se a si mesmo e aceitar a autoridade que vem de Deus mexe com nosso orgulho, é amargo para a nossa natureza inclinada para o pecado, mas é o que mais pode haver de mais salutar para a nossa alma.

Os verdadeiros cristãos deste período eram obrigados a amotinar-se em lugares escondidos para a celebração da missa. Os padres não jurados arriscavam-se a ser presos; os fiéis, por sua vez, temiam pelo que lhes pudesse acontecer se fossem pegos ouvindo a estes “traidores”.

Passada esta era conturbada, a Igreja na França começaria a reflorescer.

Este pequeno texto não tinha por objetivo fazer uma análise exaustiva de todos os pontos que envolvem a Revolução Francesa, mas tão somente relatar de forma sucinta algumas das peseguições sofridas pela Igreja durante este periodo sombrio da História.

Nenhuma força humana poderá contra a Santa Igreja Católica, ideologias e governos passam, são efêmeros. A Igreja jamais passará, pois Nosso Senhor lhe prometeu

et ecce ego vobiscum sum omnibus diebus, usque ad consummationem sæculi (Mt 28, 20).


Que os acontecimentos da Revolução fortaleçam a nossa fé, que Nossa Senhora dê-nos força para tudo suportar por amor a Cristo e à Sua Igreja e para jamais renunciar à Verdade.

Apenas pode haver liberdade de fato se esta estiver respaldada pela Verdade, caso contrário, trata-se de uma mera ilusão.

Pax Domini Sit Semper Vobiscum

William Bottazzini

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