No texto “Nosso Tempo” da semana
passada, eu havia tratado do problema da verdade e das tristes conseqüências
que podem advir de certa “ditadura do relativismo”. Pois bem, esta
semana, quero tratar um pouco mais sobre a verdade e sobre as origens do
pensamento relativista que ora nos domina.
Afinal, o que é a verdade? Fora
exatamente esta a pergunta que Pilatos fizera a Jesus durante um dos
interrogatórios. As correntes filosóficas que pairavam sobre o Império Romano naquele
período também tendiam a negar a verdade e a relativizar tudo. Não se estava
mais nos gloriosos tempos da filosofia grega de Platão e Aristóteles, mas sim
na decadência do ceticismo. Curioso é que Cristo, verdade encarnada, nada
responde ao governador latino.
Será com o filósofo judeu Isaac
Israeli e com Santo Tomás de Aquino, durante a Idade Média, que se conseguirá
chegar a uma clara definição do que é a verdade. Diziam os dois pensadores que
a verdade nada mais é do que a adequação
da mente ao objeto. Mas o que isso quer dizer? Isso significa que, na
verdade, minha registra os fenômenos exteriores mais ou menos como uma máquina
fotográfica o faz. A partir deste momento é a minha mente quem é mudada pelo
objeto, digamos, fotografado. Não é a minha mente que gera mudança no real pelo
simples fato de eu pensar de modo diferente, mas a minha mente é que é mudada
pelo real. Destarte, quando vejo um elefante, por exemplo, a minha mente capta
as essências do elefante e é mudada por essa captação e por mais que eu queira
acreditar que o que vejo na minha frente é um baú cheinho de ouro, o objeto
continuará a ser um elefante. Não será um ato de pensamento meu que
transformará a realidade. Eram nos antigos hospícios que se acreditava que o
pensamento alterava a realidade, por isso o sujeito acreditava ser Napoleão,
Júlio César ou uma Girafa.
Tendo visto então a definição da
verdade, podemos avançar um pouco mais e dar as principais características da
verdade: ela é imutável, universal, indivisível e objetiva. A verdade não muda
e nem varia de lugar para lugar: o teorema de Pitágoras será sempre o mesmo em
todo o tempo e lugar. Da mesma forma, não se pode dividir a verdade, ela é uma:
ora, meia-verdade é uma mentira inteira! No mais, a verdade é objetiva e isso
quer dizer que ela não depende daquilo que o sujeito pense sobre ela.
Logo, para todos os
acontecimentos e fatos da vida há a verdade: tanto no âmbito político quanto no
moral, filosófico, científico e religioso. E é nosso dever sempre buscar a
verdade, independentemente de nossos pré-conceitos.
Mas quando foi que o relativismo,
que erroneamente ensina que cada um tem a sua verdade, entrou em voga? O
historiador Fustel de Coulanges, em sua obra-prima A Cidade Antiga, ao analisar os acontecimentos e revoluções na
Grécia e na Roma antigas, chega à conclusão que toda revolução nasce de uma
mudança no pensamento religioso, na atitude para com o sagrado. E foi isso que
aconteceu no século XVI. Foram as mudanças no pensamento religioso trazidas à
tona pelo reformador Martinho Lutero que fizeram com que tudo fosse colocado de
pernas pro ar.
Lutero, pai do protestantismo,
ensinava que não existia uma verdade em relação à interpretação da Bíblia e que
cada um é livre para interpretá-la como bem entender. Assim, ele negava a
autoridade da Igreja e, ao tentar se desfazer de um Papa, transformava cada ser
humano em um Papa, com autoridade infalível. Assim, pois, para o ex-frade
alemão, não havia uma verdade sobre o cristianismo. Por isso que não demorou
muito para que o protestantismo nascido de Lutero se esfarelasse em diversas
denominações que ensinam doutrinas completamente opostas umas das outras, o que
contraria gravemente a universalidade do cristianismo.
Essa atitude de Lutero para com a
Bíblia fez com que alguns filósofos posteriores, como Descartes, Kant e Marx,
transpusessem a ideia de livre-exame da Bíblia para o mundo. Diziam eles que
não é apenas a Sagrada Escritura que deve ser interpretada livremente por cada
um, mas o próprio mundo e o próprio ser. Daí as pessoas ficarem perdidas, sem
saber muito bem em que acreditar e nas escolas e universidades aprende-se mais
a ter dúvidas que certezas.
Bem, foi assim que chegamos onde
estamos. As conseqüências nefandas do relativismo já foram tratadas na coluna
da semana passada.
O homem apenas realiza-se na
verdade.
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